(Atualizado em 10/6/2020)
Aqui vou falar de processo de criação, captação/banco de ideias e… tantararam: do temido bloqueio criativo – não necessariamente nesta ordem.
Tem sido justamente após os “creatives blocks” que uma sacada autoral surge, isso porque é quando estamos sensíveis, sofrendo e se sentindo a pessoa menos criativa da face da Terra que podemos aproveitar o tempo para autocrítica e, consequentemente, autoconhecimento… Antes de prosseguir, ressalto que tudo isso que vou escrever é com base em minhas experiências, então não tenho teóricos para citar. É sobre sentir.
Pois bem, dizem que todo artista tem um carinho especial por determinado trabalho, comigo, apesar do recente retorno às artes não seria diferente (lembre-se, esse texto foi escrito há 5 anos). Esta aí na imagem abaixo é a minha ilustração preferida dentre todos os trabalhos que tenho feito – Já tentei contar, anotar, listar, enumerar, mas meu lado libriano não deixou o projeto virginiano seguir adiante.
Já recusei vender a original dela duas vezes, e diferente de outras recusas que já fiz por achar que o preço proposto não era compatível com o trabalho em questão, nesse caso em específico é que ele realmente me diz algo sobre mim e sobre um momento muito particular da minha existência, que consegui captar por meio da Arte. Se não o tivesse feito, sinto que o iria querer para mim ou iria me inspirar nele para criar algo. Ela está nesse patamar de obra predileta desde que a fiz, meados de agosto de 2015. Até então, eu tinha um ou outro processo querido, até eu pintar outra aquarela e desgarrar daquele outro.
[Atualização: Enfim, consegui desapegar da original no final de 2019 – foto a seguir ]
Nessa época eu ainda estava engatinhando na aquarela, apanhando a pauladas da técnica e resistindo por pura teimosia, pois caí na bobeira de me comparar com outros aquarelistas e então travei ôhhh angústia dessa época. Depois desta ilustração, já até fiz outros desenhos em que dominei melhor a aquarela e alcancei melhores resultados no quesito técnica, mas eles não têm esse ‘quê’ a mais para mim.
Processo criativo e banco de ideias
Essa composição surgiu ao acaso, durante uma aula, sem qualquer pretensão maior. Eu estava procurando uma flor para colar no que seria o rosto desse corpo que estava como que parando para prestar atenção em algo, fruto de uma foto posada de revista de moda. Por que colar uma flor no rosto? Porque fiz esse desenho naquele exercício de uma linha só sem tirar a caneta, então a face que desenhei a mão livre estava assustadora, assim como o resto do desenho, só que bem mais bizarra (está aí a foto que não me deixa mentir). Folheando as revistas encontrei um relógio e pimba, acendeu a luzinha.
Nesta parte preciso ser justa e dividir os créditos “inspiracionais” o blog é meu invento o neologismo que eu quiser. Minha amiga, também jornalista Chaiene Morais, que estava numa aula de aquarela em plena quinta-feira à tarde (a vida nos empurrou para as artes, fazê o quê?), me sugeriu colar uma flor, já que eu amo flores, mas daí viu o relógio e arriscou sugerir a intervenção, afinal era só mais um desenho de aula, para ficar guardado numa pasta e servir de exercício. Podia fazer o que quisesse nele.
Aliás, foi nesse processo criativo que comecei a me soltar um pouco mais, afinal, na Arte podemos experimentar tudo. Tenho recitado esse mantra sempre que começo a criar, indico como meditação. Uma mente inquieta precisa de um indivíduo disposto a se jogar no escuro, no meu caso em particular, jogo tinta ou palavras numa folha ou blog em branco.
Dei uma relutadinha na possibilidade. Mas quando cheguei em casa, de repente, começou a girar em minha mente mil coisas sobre mim, minhas angústias e medos, sobre minha ansiedade, sobre como uso e usava meu tempo, sobre como tenho vivido o tempo que tenho de vida, sobre a mudança repentina de campo profissional (do jornalismo à arte).
Alguns dias depois dessa avalanche de emoções e ideias, com mais calma, refiz o esboço em outra folha e organizei os relógios no papel. O universo entrou nisso tudo como um universo de possibilidades pensadas para esse desenho, para a vida, para o uso do tempo. A roupa, que solta linhas, significa, para mim (a interpretação é livre), a degradação da matéria. Fiz esse efeito gastando quatro horas da minha vida fazendo linhas retas na vertical, horizontal, perpendicular, pra cima, para baixo… A caneta Uni.pin bico 005 nunca mais funcionou. Tem vídeo do processo aqui.
Durante o processo sempre me vinha em mente a frase “Desperta menina, que o tempo voa”. Nome grande para batizar uma obra, então a chamo de mulher relógio, menina tempo, cabeça despertador e por aí vai.
Nem sei quantos pôsteres dela já tive a honra de vender, inclusive em estampa de camisetas. Recentemente, uma mulher parou diante dessa pintura e foi tomada de emoção a ponto de lacrimejar ao pensar na vida, nos filhos que estão crescendo, no tempo que não volta e não para de passar. Dias atrás ela os levou para me conhecerem. Levou o quadro para a casa deles. Fiquei meio sem jeito com a reação inesperada, mas ao mesmo tempo satisfeita de saber que minha arte está tocando as pessoas a ponto de voltarem para me visitar. A família está com planos de mudar de país. A menina relógio vai junto!
Pretendo fazer uma série com o tema Tempo, que é algo que norteia muito minha mente desde quando me entendo por gente. Sou presa ao tempo de uma maneira que influencia muito quem eu sou.
Finalizo com o poema O Tempo, de Carlos Drummond de Andrade, que uma cliente me mandou há uns meses e de imediato me fez lembrar da “minha” menina tempo.
“Quem teve a ideia de cortar o tempo em fatias, a que se deu o nome de ano, foi um individuo genial. Industrializou a esperança, fazendo-a funcionar no limite da exaustão. Doze meses dão para qualquer ser humano se cansar e entregar os pontos. Aí entra o milagre da renovação e tudo começa outra vez, com outro número e outra vontade de acreditar que daqui para diante tudo vai ser diferente. Para vocês, desejo o sonho realizado, o amor esperado, a esperança renovada. Para vocês, desejo todas as cores desta vida, todas as alegrias que puder sorrir, todas as músicas que puder emocionar. Para vocês, neste novo ano, desejo que os amigos sejam mais cúmplices, que sua família seja mais unida, que sua vida seja mais bem vivida. Gostaria de desejar tantas coisas… Mas nada seria suficiente… Então desejo apenas que vocês tenham muitos desejos, desejos grandes. E que eles possam mover vocês a cada minuto ao rumo da felicidade.”
E vocês, o que sentem a partir desta ilustração? Me conta aí nos comentários!
#MateriaisUsados: Aquarela Pentel, caneta posca branca, caneta uni.pin 005, papel Canson Montval.