Javier Zorrilla: “Pintem a aquarela como uma técnica em si, usando as manchas”

Atualizada em 6/7/2020

O espanhol Javier Zorrilla Salcedo é um MAESTRO da aquarela com quem tive a honra de descobrir, em agosto, um universo à parte desta técnica que tem movimentado minha vida há cerca de 4 anos. Embora meu foco atual seja a ilustração aquarelada, considero crucial o aprendizado da técnica pura, para complementar meu desenho e me tirar da zona de conforto.

Biólogo de profissão, “pintólogo” de coração, ele pinta desde os 13 anos e aprendeu o ofício observando o pai, retratista, que não o queria artista. Ele até tentou ser arquiteto para não contrariar su padre. “Aguentei dois anos”, contou aos risos antes de uma das aulas.

Se precisasse sintetizar em uma palavra qual a sensação ao vê-lo “em cena” seria: EMOÇÃO! Seu trabalho vai acontecendo ao som – sim, você leu certo – de pinceladas fortes, que de início parecem desconexas, mas que são precisas e ao final do espetáculo mostram todo o esplendor de uma aquarela bem feita, poética e impressionista.

O pincel vira ferramenta e até material de limpeza (rsrsrs). É batido no papel com força, esfregado feito vassoura ou pano de chão, mas também tem seus momentos de glória, quando desliza dançante trazendo resultados incrivelmente únicos. Ahhh, as cenas de dança que Javier aquarela. Dão até calor!

Suas paisagens nos convidam a mergulhar nas cores vívidas de seus verdes — que ele faz misturando infinitas possibilidades de amarelo limão e azul da Prússia, puros, intercalando as porcentagens entre uma cor e outra, e suas variantes, quando inclui na melodia notas de cádmio, terra de Siena…

É sorridente e caloroso – o que reflete em seu trabalho pigmentado, forte, impactante. Ao ensinar, se doa. E olha meio sério quando teimamos em “mexer demais”, o que significa, estragar mais…

“A dificuldade é que a aquarela é uma técnica que não se pode corrigir muito bem” | Foto Chai Morais

O workshop que fiz com ele foi promovido pela Escola Talento 28, em Brasília (ao final do texto tem todos os contatos). Saí de lá “exaustamente” encantada e ainda mais certa de que, por mais difícil que a aquarela se mostre, a saída para aprendê-la está em se entregar a ela. Seus encantos e desencantos, suas glórias e seus borrões. Porque, pelo que tenho percebido, pintar aquarela é a própria metáfora de viver. Pura descoberta, avanços e retrocessos. Não tem bula nem manual de instrução.

Quem gentilmente traduziu esta entrevista foi a aquarelista Luciana Casales (foto abaixo), proprietária e professora da Talento 28. A responsável por trazer Javier e outros grandes aquarelistas porque assim como eu, ela se manchou De Aquarela. (Fiquei sabendo que em 2019 ele virá de novo e só terá uma turma… entre em contato para reservar hein)

No mais: “Ter paciência, porque  a aquarela é uma técnica que dá muitas alegrias.” (Javier Zorrilla)

Como a aquarela entrou em sua vida?
Por uma questão de espaço. Eu pintava óleo, acrílica e pastel e tive que mudar de casa. A nova casa era menor e tive que adaptar-me, então escolhi a aquarela por não sujar tanto e ocupar menos espaço. Mas, isso já faz mais de 20 anos.

Sempre pintou?
Sim, toda a vida. Comecei aos 13 anos, porque meu pai era pintor de retratos. Tenho mais três irmãos e nenhum deles pinta, somente eu.

Como foi a transição do óleo para a aquarela?
Fácil, pois se adaptava muito bem à minha maneira de pintar. Na verdade, a aquarela tinha características que eu buscava na pintura. Não fiz classes (aulas) e ninguém me ensinou, descobri sozinho. E foi fácil, natural.

Você tem uma formação artística?
Comecei com meu pai, depois pintei com dois pintores espanhóis, José Luis Ferrer e Teresa Muniz. Não fiz Bellas Artes. (Ele chegou a cursar 2 anos de arquitetura, para agradar ao pai, que não queria o filho artista – “aguentei 2 anos”, contou descontraído, e arrematou: “De manhã sou biólogo, à tarde sou pintólogo” )

Do processo da aquarela, o que mais te encanta?
A transparência, a luminosidade, a luz, a espontaneidade, a rapidez, isso é o que mais me agrada na aquarela.

“Tem gente que tem o conceito de aquarela antigo, ou seja, colorir um desenho”.

Quais as dificuldades que encontrou?
A dificuldade é que a aquarela é uma técnica que não se pode corrigir muito bem. É difícil. Tem que pensar antes, planejar o que vai ser feito. Não pode parar. Em outras técnicas você pode parar, corrigir, voltar a trabalhar, e melhorar a obra. Na aquarela não, piora, quanto mais mexe mais estraga.

O que é uma aquarela bem feita. Quais são os valores necessários?
Limpeza, luminosidade, espontaneidade, força com poucas pinceladas. Tem que ser direta. É como outras técnicas de pintura, se transmite (a técnica) é boa. Se não for transparente e limpa perde qualidade.

A aquarela voltou com força nos últimos anos, mas muita gente usa a aquarela, mas não usa, necessariamente, as técnicas. Gostaria de um ponto de vista crítico.
Eu acredito que quem usa aquarela sem usar as técnicas próprias da aquarela, na verdade não pinta aquarela. Colorem um desenho. Não utilizam as técnicas de aquarela como devem. A aquarela se pinta com manchas. O conceito pictórico da aquarela é o mesmo do óleo moderno. É a mancha, a transmissão, não é diferente. Tem gente que tem o conceito de aquarela antigo, ou seja, colorir um desenho. Como se fora um esboço para depois fazer uma obra importante. A aquarela é uma técnica em si mesma, e tem a mesma força e os mesmos valores que o óleo, o pastel e o acrílico.

O que acha da mistura de outros materiais na aquarela?
Eu não utilizo, mas respeito quem usa. E até gosto e tem muita gente que usa muito bem. O problema é utilizar outro material como recurso para não pintar aquarela.

Curiosidade Javier não usa tinta seca que sobra no godê. Ele sempre coloca por cima tinta fresca. “Quem pode, pode”, não é mesmo? | Foto: Ketllyn Fernandes

Como você resumiria sua paleta de cores?
Busco cores o mais transparentes possíveis. Já sabemos que a aquarela tem cores transparentes, semi-transparentes e opacas. Tentei dentre as cores primárias diferentes versões quentes e frias, e as terras. Mas, também algumas cores misturadas com branco para trabalhar sobre o úmido com mais densidade. Fundamentalmente, cores transparentes.

E o papel, qual é o da sua preferência?
Papel bom (100% algodão ou com alta porcentagem de algodão – complemento da autora).  O papel na aquarela é o mais importante. Com um papel ruim, não se consegue uma aquarela boa. Eu uso Sennelier, Arches, Saunders, normalmente 300 g, grano fino ou grosso, mas, tem que ser bom. Você pode até pintar com um pincel não tão bom, com tintas não tão boas.

E os tamanhos grandes é uma influência da pintura a óleo?
Agora se pinta aquarela igual ao óleo. Se pode fazer aquarelas de 1,5 m x 1 m. Já não é mais uma “aquarelinha” para completar algo, um estudo. É uma técnica a mais. Eu pinto qualquer formato, mas talvez me sinta mais cômodo com os tamanhos grandes.

Predominam pinceis de grande formato em seus materiais | foto: Ketllyn Fernandes

Que dicas pode dar para quem está começando a pintar aquarela e se frustra com os resultados? Como trabalhar as emoções?
Que pintem a aquarela como uma técnica em si, usando as manchas, as cores, tem que soltar-se.

Um conselho para os aquarelistas de um modo geral, principalmente para os novos para valorizar a técnica?
Tem que aprender a técnica, mas se deixar levar. Não comprimir-se. Ter paciência, porque é uma técnica que dá muitas alegrias. Em uma hora passas de uma folha branca a uma obra terminada. Mas, pode dar errado, e não devem desanimar. É uma técnica complexa.

Quem são suas referências na aquarela? Seus aquarelistas preferidos?
Gosto de Joseph Zubvick, de Álvaro Castangnet também. Dos espanhóis, meu amigo Cesc Farre, Camilo Huescar.

A que lugares a aquarela te levou?
Na Espanha em várias cidades: Barcelona, Sevilha, Gijon, Guadalajara, Cordoba, muitas mais, e no exterior, à Suecia e aqui no Brasil. Ano que vem (2019) iremos a Toscana.

SERVIÇO:
*Talento 28 – Escola de Arte e Galeria (Brasília) | www.talento28.com
www.facebook.com/talento28escoladearte/
www.instagram.com/talento28_/
TALENTO, SALA 28 – TÉRREO 70390-145 Brasília
(61) 98422-8644

Breve passo a passo

1: Demarcar com o pincel bem molhado as grandes áreas, nas cores predominantes.

2: Ir trabalhando os demais elementos por onde não se passou a cor predominante, ou seja, em áreas secas e com branco.

3 : Depois que as grandes áreas secarem, trabalhar os demais detalhes, observando as manchas

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