Eudes Correia: “Na aquarela, você começa e ela termina. Você dá um passo, ela dá dois”

Atualizada em 16/7/2020

“É uma parceria: entro com a loucura e água e a aquarela trabalha. Depois assino”. Esta é uma das frases engraçadas que provavelmente o artista Eudes Correia repita com frequência em seus workshops, palestras e cursos mundo afora. E o goiano-tocantinense que cresceu no Pará não está só brincando. Ao vê-lo em ação, é bem isso que acontece. Como me faltariam palavras para descrever seu processo de criação, recorro a um clichê necessário: tem que ver para crer.

Falando em ver, repare nesses olhos em aquarela feitos praticamente só com controle de pigmento/água, ou seja, sem muitos detalhes na fase do desenho

E essa forma única de pintar é resultado de uma paixão despertada na infância, sob influência do irmão mais velho, o também artista visual Manuca Correia, que atua mais com grandes formatos e grafites. Entretanto, a aquarela só tomou conta da vida de Eudes por completo nos últimos oito anos, quando decidiu se dedicar exclusivamente ao desafio de pintar sobre água.

E o vício virou profissão a tal ponto que nosso aquarelista “do pé rachado” goianos entenderão hoje tem renome internacional e é embaixador da Winsor&Newton na Europa, umas das principais marcas de materiais artísticos do mundo, com destaque para os aquarelísticos. Sim, Eudes Correia é o bam bam bam da aquarela e saiu aqui da terra do pequi. #orgulhosa #tenhochances #oremos

“Quando me ligaram convidando para ser embaixador da Winsor&Newton pensei que fosse trote”

Eudes estava e se sentiu em casa, então nos ensinou que aquarela e vinho são uma ótima combinação. Calma, aquarela no papel, vinho na taça. E, ali com seu tinto perfumado, seus materiais e uma musiquinha de fundo (adora Djavan), a magia aconteceu.

“O artista é um contador de histórias”, disse ao explicar o motivo de aquarelar a partir fotos de pessoas aleatórias que lhe chamam atenção e que virarão arte

Cantarolando e respondendo a todas as perguntas dos alunos –  inclusive pessoais, porque curiosidade é mato – , ele foi conduzindo a técnica de pintura tida como a mais difícil que há de uma maneira tão simples, que até pareceu fácil. Nós, pobres mortais na condição de alunos, descobrimos no dia seguinte ser um tanto difícil o “jeito Eudes” de aquarelar, mas saímos esperançosos no terceirto dia. Sua didática é muito boa e com esforço e sem dormir ou comer durante alguns meses, se pode fazer uma boa aquarela, um dia, rs.

E o que ele fazia antes de aquarelar? Ele mesmo nos conta nesta entrevista concedida ao Blog às pressas, mas de muito bom grado e detalhada. Nossa conversa foi antes dele iniciar seu show no workshop que participei entre os dias 26 e 28 de outubro pela escola Talento28, em Brasília. Era visível sua preocupação em cumprir seu compromisso com os outros alunos. Para o De Aquarela, além de falar curiosidades sobre sua trajetória artística até ser contaminado pelo vírus watercolor, Eudes detalha a importância de bons materiais, dá dicas e repassa um panorama completo sobre o atual cenário para a aquarela no país e em outros continentes.

Eudes, como foi seu primeiro contato com a técnica aquarela?
Eu tinha uma média de 12 anos, vivia no Pará, e lá eu não tinha  contato com arte, mas meu irmão mais velho pintava. Eu vi ele pintando [com aquarela] a primeira vez e fiquei encantado com aquilo. Foram muitos anos. Eu via as coisas em forma de aquarela, por muito tempo. Ia pescar na beira de um rio e já ficava imaginando aquilo numa aquarela. Mas eu não conhecia a aquarela profissional, só a amadora. Trabahei um bom tempo com outros segmentos e voltei a ter contato com a aquarela aos 17 anos e depois ilustrava para agência de propaganda, capas de livro, e fazia um ou outro trabalho em aquarela. Depois me mudei para São Paulo, foi quando comecei a pintar aquarela intensamente, nunca mais parei.

De forma autodidata?
Sim, sempre.

Sobre seu estúdio de publicidade, onde era e como funcionava sua relação com a parte artística?
Em Goiânia. Chamava “Eudesigne” (risos de quem adorou sua sacada para o nome), meu nome. E, trabalhava mais criação de marcas, logotipos e ilustração para agência. Devo ter feito umas 1.000 marcas para Goiânia. Atendia empresas grande lá, na época trabalhava da pequena, média e grande. Desde um cliente pequeno que estava começando, até a Unilever, Pretrobras.

Quando você saiu de Goiânia?
A data exata não sei, mas cerca de 18 anos atrás, talvez, fui para São Paulo e lá montei um estúdio de ilustração, fui trabalhar numa grande agência de designer, a “Dez”. Fui estudar designer gráfico na Miami ad school, montei meu estúdio e dessa época comecei a pintar aquarela, há cerca de 8 anos.

Intensamente?
Sim, daí não parei mais. Pintava todos os dias.

Ainda pinta todos os dias?
Hoje mais ainda. Full time. Na época, todos os dias, quando acabava o serviço eu ia pintar. Hoje é o meu trabalho, eu só vivo da aquarela. Só faço isso.

“Geralmente desenho e saio, vou tomar um vinho. Volto e faço uns reajustes necessários. É preciso descansar o cerébro para ver melhor”

Como é a procura ao seu trabalho em Lisboa? O que é este “viver da aquarela”?
Porque a aquarela é minha profissão hoje. Dou aulas pelo mundo inteiro e participo de Bienais, e exposições em vários continentes. Falo o mundo inteiro no sentido de vários países, tanto na Europa, Ásia… E África, Estados Unidos, por vários continentes. E como isso virou meu trabalho, também dou palestras, Workshops.

Porque especificamente a aquarela?
Porque me encantei. Uma técnica diferenciada, desafiadora, técnica difícil. É a técnica mais difícil que existe, mas é também a mais encantadora que há. Diferente de qualquer outra técnica, ela trabalha com você. Com o óleo, você tem que pintar ele do começo ao fim, a aquarela você começa e ela termina. Você dá um passo ela dá dois.

“Aquarela você tem que dar água para ela. Se não tem água, é qualquer coisa, menos uma aquarela” Eudes Correia

Quais suas dica para iniciantes com a técnica? Para melhor aproveitamento do aprendizado?
Primeiro, estudar os mestres que admiram. É o primeiro passo, porque aí você vai absorvendo informações. Tentar pintar como ele, ver vídeos. Porque nem sempre a pessoa tem acesso a ter uma aula diretamente com o artista. A internet está cheia de vídeos. Reproduzir os trabalhos desse mestres para ir descobrindo os caminhos que eles seguiram. Mas nunca copiar. Copiar ali para estudo, mas nunca pegar essa cópia, assinar e colocar no mercado.

Aquele pedido de socorro básico!

O que uma boa aquarela tem que ter?
Quatro coisas básicas: conexão, transparência, sombra e contraste.

Você trabalha muito a figura em movimento, como que foi essa pegada? Por que você faz de um jeito muito seu. Como chegou a esse estilo, quais suas fontes de inspiração?
Não houve planejamento para isso. Sempre gostei de pintar pessoas, mas não gostava de pessoa fazendo pose, parada, olhando para mim. Nunca gostei disso. Gosto de pegar a pessoa no movimento natural, justamente para passar vida. Para se olhar aquela pintura e imaginar que está acontecendo alguma coisa ali, não que é só uma pose para eu pintá-la.

CONEXÃO: Não deixar separações entre áreas muito evidentes, “desenhadas” | TRANSPARÊNCIA: não chapar a cor | SOMBRA: é sombra ora bolas | CONTRASTE: luz e sombra de maneira harmoniosa

[Ele fotografa geralmente pessoas aleatórias em cenas urbanas para reproduzir a seu modo, sem hiperrealismo. Inclusive, ensinou que fingir selfies e vídeos desenibe os modelos que não sabem que estão sendo fotografados e virarão arte] #Eudesmefotográfa

Qual o tempo aproximado que você leva para pintar uma aquarela média em movimento?
Pinto pouco tamanho A4 hoje (21 x 29,5 cm). Pinto mais é 33 x 50 cm, 38 x 50 cm, a média. As menores que eu pinto hoje são as 28 x 38 cm. Cerca de 40 minutos a 2 horas, depende da complexidade.

Também pinta outros tipos de imagem?
Sim, só que para mim. Porque eu comecei pintando outras coisas na verdade. Comecei com paisagens, urbana, natureza. Foi meu início. Aí comecei a pintar pessoas e parei aí. Hoje faço plain air (ao ar livre/capturando o momento). Vou numa cidade, pinto ali alguma recordação. Sempre no país que estou faço um plain air para mim. Não exponho na internet, é muito raro, às vezes coloco no meu Instagram, só, mas é muito raro.

Sim, ele deixa seus pinceis “de molho” antes de usá-los. Mas não por muito tempo, pois como sempre fomos alertados, de fato pode estragar. Deixar na água ajuda as cerdas a reterem mais água/pigmento durante pintura.

Seus materiais, o que é crucial para você? O que não pode faltar?
É até uma boa dica. O material é muito importante na vida de um artista. Se você não tiver um bom material, não conseguirá fazer um bom trabalho. Trabalho hoje com a Winsor&Newton, sou o embaixador dessa marca na Europa. E eu já usava essa marca quando comecei a pintar, foi um dos meus primeiros materiais. Então, por isso, eu me sinto como um privilegiado de ter sido convidado por eles para ser o embaixador. Isso foi bom porque tenho o privilégio de só usar materiais bons, tinta boa, bons pinceis. Isso faz toda a diferença.

Às vezes, a pessoa começa a pintar e muitas vezes ela pensa o caminho, ela sabe pintar, aí na hora de executar o material não ajuda. O pincel não ajuda, a tinta não ajuda, o papel não ajuda. Porque economiza, compra material barato e aí vê o trabalho do profissional e pensa: “nossa que lindo”; mas ali tem um bom material. Eu, por exemplo, para trabalhar, preciso de no mínimo uma paleta boa de cores, com tintas boas, uma boa paleta para eu misturar as cores; ao menos 5 bons pinceis: petit gris, pincel redondo, pincel flat (chato), uma trincha, e um bom papel. Se você não tiver um bom papel, você se frustra. Você tenta fazer algo e não consegue. Então é um bom papel de algodão, boas tintas, bons pinceis. Por exemplo, tem a Winsor&Newton profissional, mas também tem a linha Cotman, há uma diferença entre uma e outra.

Como você vê esse movimento em torno da aquarela? Eu sou “novata”, pinto só há 4 anos, queria saber se essa febre com a técnica da aquarela já era assim antes ou é algo recente? Você sentiu de alguma forma esse impacto, como que foi para você que conheceu a aquarela aos 12 anos?
Recente, aqui. Na França a aquarela sempre foi muito forte, na Inglaterra que foi onde começou os movimentos. A França tem Bienais para caramba. Já é antigo. Na Europa isso é forte. Aqui tem sido de uns 3 ou 4 anos para cá.

E a aquarela tem invadido o mundo, por toda parte tem tido muitas Bienais, muitos festivais, muitas exposições. Acabei de vir de uma na Rússia agora e toda em aquarela. Aquarelistas do mundo todo para expor. Aquarela está forte no mundo hoje, antes não era. Era uma técnica meio deixada de lado e agora tem sido visto como uma arte fina e muito difícil de ser bem executada.

Antes usava-se a aquarela para fazer esboço, skchet. Hoje é vista como uma arte de alto nível, como foi o óleo, por exemplo, talvez nem tanto como o óleo, porque o óleo tem uma durabilidade diferente que faz dele uma técnica diferenciada. Em termos de qualidade a aquarela tem ganhado espaço. Agora mesmo fui convidado para uma exposição só de aquarela no Grand Palais, que é a maior casa de eventos da França. A gente não tinha esse espaço antes.

A que você acredita que se deva esse movimento em torno da arte sobre papel?
Tem um movimento que eu não sou ligado, mas que pode ter uma conexão, que é o IWS [International Watercolor Festival IWS – ICPNA], de âmbito mundial, presente em vários países, que promoveu fortemente a aquarela através de grandes artistas e encontros. O movimento promove a técnica de maneira global por meio de festivais, inclusive fui convidado para um em breve no Peru [ocorrerá entre 10 de janeiro a 23 de fevereiro de 2019]. Será minha primeira vez na América do Sul, para aquarelar eu só vim aqui para o Brasil, agora vou participar desse que vai reunir aquarelistas da China, da Rússia, da Espanha. Eles promovem só a aquarela, não entra outra técnica lá.

Mas apesar disso, penso que o principal seja a questão da internet, que consegue levar nossos trabalhos para qualquer lugar do mundo. Enquanto técnica, a aquarela é muito prática. Você tem um estojinho aqui, faz uma aquarela de maneira rápida, posta na web e pode ganhar visibilidade mundial.

Depois de repetir 3 vezes que a próxima seria a última pergunta, eis a última…

Sua opinião para uma aparente espécie da “rixa” entre a ilustração com aquarela e aquarela enquanto técnica artística por si?
Não sei se rixa, mas existe uma diferença muito grande. Começa porque a aquarela você pinta a vida, aquilo que está dentro de você, que é expressivo, conta uma história. A ilustração você é comissionado para aquilo. É diferente. Eu era ilustrador, eu sei da diferença. Porque quando eu trabalhava com a aquarela, ela vinha na forma de encomenda, me trazia peso, um peso muito grande. Tinha que cumprir, o job era isso, tinha que atingir aquilo que o cliente estava esperando desse resultado. Enviava, mandava voltar, isso era desgastante. A ilustração atende a um job, a aquarela não, você expressa emoção. É arte, não tem relação com a aquarela, ainda que a forma de pintar seja parecida.

Um passo a passo

camada 1, o “chá”
camadas seguintes para dar luz/sombra/detalhes
arte finalizada

Serviço:

O ARTISTA:  http://www.eudescorreia.com/

A ESCOLA: Talento 28 – Escola de Arte e Galeria (Brasília) | www.talento28.com

 www.facebook.com/talento28escoladearte/

www.instagram.com/talento28_/

TALENTO, SALA 28 – TÉRREO 70390-145 Brasília

(61) 98422-8644

E fim: Agora é estudar, treinar e descobrir