Fazer arte me incomoda. E agora?

Fazer Arte é um incômodo para mim. Antes de escrever essa frase que pode soar chocante, ou até pessimista, outras frases, até + “polêmicas”, me vieram em mente. Mas não ‘tô pronta para externar mais do que o incômodo que descobri – ou melhor, aceitei -, pois o percebo desde sempre, apesar de gostar de ser artista… Alguém ‘tá com dificuldades em se permitir prazer? Corre aqui Freud! 🤯🤷🏻‍♀️

Esse desconforto emergiu como possível tema a ser abordado enquanto eu pintava a tela da foto, ao mesmo tempo que ouvia um podcast sobre um assunto sem ligação com arte, o que até me assusta um pouco, tamanha a inquietude dessa mente que os testes de coaching classificam como perfil ++ social/convencional. Pois é, para minha surpresa, o perfil artístico fica lá em 4º nessa conta estranha…

Mas deixando divã e testes de personalidade de lado, voltemos ao assunto central. É que vejo artistas em suposto deleite ao desenhar/pintar, como se fosse algo “recreativo”. E percebo que o imaginário comum de quem não pinta ou começa a pintar por outros motivos que não o de “se sentir” artista também associam o fazer artístico ao prazer, ao terapêutico, à mera distração por meio de atividades manuais. Não que não possam ser ou não sejam, mas, sinceramente, não é reduzir demais algo tão genial como criar-expressar-materializar uma ideia/sentimento/sensação?

O que me faz escrever sobre isso foi a tomada de aceitação de que não gosto de estudar arte/técnica. Prefiro teorias da Comunicação/Psicologia/Filosofia/ e até Astrologia me julguem, goxto mesmo ou qualquer outra coisa em termos de ler/assimilar. Só agora me dou conta de que o que estudei de desenho e pintura desde a adolescência foi apenas o suficiente para harmonizar o que crio, pois, logo que domino um pouco a técnica, perco o interesse pelo treino. E isso também foi muita causa de sofrimento, pois exalta-se tanto a dedicação/persistência socialmente que me afligia esses rompantes de desinteresse por algo que amo. Enfim, os meus 33 anos de vida (6 deles de dedicação exclusiva ao meu eu artístico) me trouxeram de presente a constatação de que gosto de fazer e pronto. Descobri que me interessa mesmo é aprender e reaprender durante os processos de criação.

Pois bem, desde que comecei a experimentar materiais diversos e “dei um tempo” da aquarela (que, inclusive, sem técnica não se pinta! Então estudem, rsrsrs), os processos de investigação livre me levaram a uma técnica só minha de pintar, que une a superfície úmida da aquarela (só que na tela), a textura grossinha da guache e toda a maleabilidade da tão versátil tinta PVA. Acrílica e óleo não rolaram para mim. A primeira achei preguenta demais, a segunda, fedida demais. Um pouco frustrante perceber que tenho tintas aquarelas e pincéis de cerdas naturais caríssimos, e foi no básico artesanal de papelaria e lojas de material de construção que reencontrei (algum) prazer em fazer arte (?!)

Só que é um prazer sofrível, pois esqueço como se pinta essa “minha técnica” a cada nova tela – já que crio com intervalos relativamente longos entre a “sempre” penúltima e a próxima pintura. Não sei se é método, autossabotagem, rotina apertada ou, apenas, meu tempo de criação… Pode desabafar (mais)?: Sempre acho os pincéis que tenho para essa “minha técnica” péssimos e inadequados (não sei escolher nem cuidar de pincel, gente. Help!!!). Mas quando vejo o efeito luz/sombra/volume imaginado “brotando” mesmo diante de tanto desconforto físico e mental, dá um orgulho do esforço desbravador em que fui me metendo por amar a Arte. Ah, para fechar o parágrafo de desencantos pictóricos: me causa agonia a tinta começando a secar na paleta enquanto pinto e a própria preparação das cores fazem meu braço doer.

E, nesse “balacobaco” todo, me vejo encantada novamente pelo processo. Esquecendo de comer, ouvindo músicas sem ouvir sons (sim, é possível), e passando horas que mais parecem minutos. Entro no que chamam fluxo, o orgasmo do artista! Que saudades que eu estava dessa sensação de flutuar no tempo agarrada a pincéis e cores! Aí que delíiíííícia isso! Mas quando menos se espera, já passou…

(vazio)

Quando me lembro de todas as etapas até alcançar o clímax novamente, vem a preguiça e começa o lenga lenga todo de novo, até surgir mais uma ideia que lentamente vai parar desenhada na tela por pura necessidade de tirar o desenho da cabeça.

Termino o texto com essa indagação: Será minha sempre presente rebeldia essa negação à “técnica”? Não sei responder. Não sei nem se precisa de resposta…

Por ora, vou me contentar em supor que a resposta seja, justamente, o que sai de toda essa experiência sempre única: uma nova tela, um novo desenho para me reconhecer, me estranhar e dar toda uma gama de interpretações a quem se propuser alguns minutos de olhar nu ante o que desnudei de mim.

 

Com carinho e sem pretensão de constância porque escrever também é processo de maturação interna, Kettly Férnandes.