Atualizado em 3/7/2020
Ele é tido como o âmago do ser. É o órgão que recebe e pulsa sangue para a manutenção da vida. É o lugar mais quente e sensível do corpo humano. É dividido em dois lados com funções distintas, mas complementares. É classificado como um órgão oco e muscular. Sua forma quando simplificada é encontrada em diversas espécies de plantas e flores (antúrios, diversas trepadeiras, singônios, peperômia, caládios, punhal-malaio e alocasias, apenas para citar algumas – sim, sou a louca das plantas)
Esse é um resumo bonito que redigi a partir da definição de coração que busquei no Dicionário Aurélio para iniciar este post, que tem a pretensão de falar sobre a aquarela “Coração Orgânico” [de 1 m x 70 cm, papel 100% algodão, exclusiva, vendida].
Em março de 2018 esta era a quinta pintura em que dei destaque ao cardíaco. Dois anos depois, nem sei mais quantos tenho em meu acervo. Há um tempo a forma desse órgão tem permeado meu imaginário, atraído meu olhar curioso e despertado admiração, a ponto de tê-lo tatuado em mim como forma de expressar minha recente, e um tanto turbulenta, entrega à Arte. Muita coisa fez sentido depois que li a definição didática e objetiva de um dicionário, pouco antes de iniciar o texto.
Neste texto que parece de biologia vou correlacionar alguns aspectos do cardíaco com o desenrolar da vida. Na verdade, se trata de mais uma tentativa de buscar exprimir do meu processo criativo o que pretendo expressar com meus trabalhos, em especial este.
É no coração que, simbólica e também fisiologicamente – sugerem pesquisas recentes -, se instalam as emoções, tanto boas como “ruins” (eis os dois lados). O contato com a aquarela se deu numa das fases de transição mais intensas (e necessária) da minha vida, quando minhas emoções estavam tão à flor da pele, que não podia mais só ignorá-las. Foi quando tive que escolher entre duas carreiras, duas formas de ganhar a vida e, consequentemente, duas formas de ser nesse mundo…
Ao começar de forma autodidata a “esguichar aquarela”, me atrever, me frustrar, me surpreender, concomitantemente com a terapia, as emoções iam sendo percebidas e, dentro do possível, trabalhadas, compreendidas e respeitadas. Era o começo do autoconhecimento e da autoaceitação. Quem pinta com aquarela sabe bem do que estou falando em relação a ter “paciência”, deixar de ter tanto controle, se abrir às possibilidades e aceitar o que já não pode ser mudado.
Vídeo que mostra detalhes da pintura
Aos poucos, entre pinturas, clientes, criações, dificuldades e buscas por aprendizado artísticos, houve a estagnação, a ruptura, o “AVC artístico”. Foram muitos bloqueios criativos, que, três anos depois, percebo ter sido a forma que meu íntimo encontrou de me direcionar à minha essência, há tanto tempo esquecida, ou melhor (pior né?), talvez nunca percebida.
Se não conscientes, perdemos muito de energia vital nesse turbilhão de informações, anseios, trabalho atrás de trabalho, faculdade, profissão, cobranças da sociedade/família e mais cobranças internas/pessoais… Estava na hora de começar a esvaziar… Fazer a adiada faxina interna… Isso incluiu abandonar hábitos alimentares ruins, sedentarismo e até certas convivências tóxicas.
O cardíaco impulsiona o sangue para realizar as funções vitais não é mesmo? Com mais espaço interno, no oco do coração, vieram as lembranças da infância, os gostos genuínos, as nostalgias, a essência. Foi quando me senti mais segura para criar, perceber insuficiências técnicas, aceitar o que gosto nelas (sim, muitas vezes são nelas que estão nosso toque) e assumir o quê, invariavelmente, estará presente no meu fazer artístico a partir de então: plantas, cores, expressões de amor, carinho, infância, equilíbrio, inconsciente, subjetividades. Importante: para todas as idades.
Era minha musculatura se movimentando para o que há de vir. Foi quando trouxe plantas da varanda para o local onde aquarelo e assim me rodeei de verde. Comecei a ficar mais leve em vários aspectos e durante mais tempo. Passei a perceber que mesmo quando não desenho o coração, algumas formas e cores se repetem muito em meus desenhos, muitas vezes similares a raízes/veias.
E nesse bombear constante que é a vida, acho que começo a experimentar o aconchego de um coração aquecido. Esse conforto se manifesta pelo brotar verde das plantas e a leveza representada pelas espécies delicadas que desenhei, todas resgatadas da memória de quando criança; acompanhada das veias que se tornam raízes douradas ao sair do contorno do coração.
Importante dizer que nunca fiz o tipo que pensa muito em composição na hora de criar. Ao começar esse trabalho eu só planejei o coração e que dele sairia algo vivo. Nesse primeiro da série fiquei com as folhagens, que, para serem de verdes tão vívidos, precisam de terra fértil. E, depois de tudo que relatei, penso que esse coração esteja esbanjando saúde.
As plantas que retratei, em especial a samambaia e a avenca, possuem forte apego sentimental para mim. Descobri recentemente que a samambaia é tida como símbolo de resistência, pois, mesmo de aparência tão delicada, brota e sobrevive nos lugares mais improváveis (quem nunca viu brotinhos de samambaia em cantos de muro com musgos, por exemplo?). Já as avencas simbolizam proteção e têm fama de afastar energias ruins dos ambientes em que estão, além de serem purificadoras de ar e, algumas espécies, poderem ser usadas para chás calmantes (pesquise antes de ir experimentando, pode “dar ruim”).
Sendo assim, esta pintura, até o momento a maior que já fiz, representa isso, que, penso eu, só quem busca pela conexão interna vivência. São os olhos de ver… Tão raros hoje em dia.
Espero ter inspirado alguém com esse coração grandão que tirei de dentro do peito para o mundo ver.
Deixa aí seu comentário com a sua interpretação ou sensação a partir da obra Coração Orgânico. Adoro saber as múltiplas interpretações que a Arte proporciona.